quarta-feira, 29 de abril de 2015

O mito da Redução da Maioridade Penal - A vingança como pano-de-fundo:


Como acabar com a violência e crime no Brasil? Como mostrar para os bandidos que o crime não compensa? Como acabar com a impunidade dos criminosos e fazê-los pagar? Já sei! Você responderá: redução da maioridade penal, não é? Mas pretendo mostrar a contradição deste tipo de solução. 


Para começar, somos a geração formada pela opinião copiada dos outros e na defesa da solução fácil. Uma geração que assistiu nos últimos 15 anos, programas policiais do tipo: “Aqui e agora“; “cidade Alerta”; “Balanço Geral”, “Polícia 24 horas” e cresceu acreditando que tudo o que acontece na televisão e no rádio é o mesmo que acontece o tempo todo nas ruas. Descobrimos que no nosso jornal diário tem mais espaço para a página policial que para as notícias do mundo. Qual o resultado disso? Acreditamos na Redução da Maioridade Penal (e até pena-de-morte), defendendo essas ideias como solução para a violência do Brasil. Mas qual o motivo de acreditarmos em soluções assim? Como aprendemos a acreditar que o criminoso “escolheu” o caminho do crime e deve ser punido e que se com 16 anos já se pode votar, também pode ser responsabilizado já que “escolheu” matar?
Essa forma de pensamento e opinião não é NADA ORIGINAL. Essa visão de mundo é altamente SIMPLISTA e ABSURDA e você aprendeu a ver o mundo desta forma por um jornalista ou alguém que te repassou e você acreditou. Essa opinião é originalmente compartilhada pelos jornalistas policiais que ganham a vida divulgando noticia de morte, estupro e troca de tiros. Casos como do Datena, Motta, Bogado são alguns dos nomes mais atuais. Jornalistas policiais que precisam transformar o crime em sensação para se manter com audiência alta. Sensação de que? Sensação de insegurança, onde o crime está em toda a parte e que o cidadão tem que comprar uma arma para se defender e que os menores estão matando e estuprando e ficam impunes. Assim, com essa visão de mundo, as pessoas entram no embalo e repetem o argumento, repassando para seus filhos e amigos, pois afinal: “o crime venceu”.
Meu objetivo será mostrar por argumentos Sociológicos o quanto a REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL é uma SOLUÇÃO FALSA. Pois ela não irá alterar nenhuma das questões apontadas e o mais grave, tende a piorar a realidade do crime no Brasil. A Redução é vingança e não solução.
Pretendo começar a falar sobre as cadeias brasileiras. O nosso atual sistema carcerário está dominado pelo PCC, CV e organizações criminosas que constroem alianças de proteção dos seus membros no interior dos presídios. Porém, após cumprir a pena, o preso tem que pagar essa proteção dando dinheiro mensal para a facção. Para não morrer ou ser estuprado na cadeia ele entra numa facção criminosa e contrai uma divida eterna, tendo que pagar pelo resto da vida um “apoio mensal para os irmãos” e na maioria das vezes, acaba voltando a roubar e a matar para manter a palavra e não ser morto ou deixar matarem alguém da sua família. Neste caso, imaginem um menino de 16 anos (mas poderia ser 14, ou até 12 anos como existe em alguns países), entrando neste ciclo do crime desde cedo. Sem falar que ele estaria cercado por criminosos com larga experiência no crime. E a cadeia, é solução ou é vingança? Pois ressocializar ela não ressocializa. Na última estimativa dos juízes no Brasil, a reincidência é de 70%.  Ou seja, prender menores com adultos é absurdo em todos os sentidos. 
Mas e o argumento de que o jovem fez uma escolha: “Ele matou porque quis, fez a escolha do crime e tem que pagar”. Você já se perguntou por que a grande maioria dos presos são também pobres e não tem estudo? Nunca se perguntou isso?
Os estudos sobre a desigualdade e violência do Brasil apontam que quem nasce sem ter acesso à educação, saúde e dignidade, tem maior chance de experimentar a vida do crime. Pais que não estudaram, ou não tiveram chance de estudar, sem exemplos próximos para incentivar ao estudo ou a leitura, vivendo em péssimas condições de vida e alimentação, em meio a uma realidade de miséria e sem exemplos de pessoas que estudaram e melhoraram de vida: (É Neymar rico, Funkeiro que fica rico, etc). Para quem vive em condições assim e com esses exemplos, depois do sonho do futebol, o crime é um caminho. As armas e a violência estão na porta de casa (Ou dentro de casa, inclusive com a polícia arrombando sua porta ou trocando tiros com traficantes). Neste ambiente o crime é uma opção porque o jovem não vê futuro. Seus familiares que trabalham honestamente vivem com salário mínimo. O celular da propaganda ele só terá se trabalhar anos para pagar (se conseguir pagar). Para esse jovem, o crime está convidando e flertando todo o dia com ele, vendo colegas e vizinhos no crime com roupas, tênis e celulares da propaganda. Será isso uma escolha? E mesmo assim, a MINORIA dos moradores de comunidade, vilas e favelas comete crime. Escolhe a vida da miséria, mas honesta. Mas nem todo mundo agüenta a vida de sobre-viver, e vai para o crime.
Se compararmos essa realidade com a realidade de um jovem de classe média. Para esse jovem o caminho do crime será a exceção e não é um flerte diário. Posso afirmar isso, pois na casa dele terá exemplos, estimulo ao estudo e condições. A polícia não trocará tiros perto de casa toda a semana, ele não verá amigos morrendo no tráfico e nem seus pais subempregados e morando em barracos e sempre sem dinheiro ou faltando comida. Terá sonhos de futuro que seus pais o ajudarão a ter e incentivar a conquistar. Não te faltará comida e nem passagem para ir para a escola se mesmo assim você escolher o crime, esse será a exceção, que AÍ SIM escolheu largar as chances e oportunidades da vida para roubar ou matar. Isso sim é uma escolha, pois estará largando outras chances. Mas essas realidades são INCOMPARÁVEIS. Dizer que TODOS temos as mesmas chances é absurdo. Pois não temos, vivemos em um Brasil MUITO desigual. Mas ser pobre é muito difícil e o crime é um caminho mais próximo do pobre. E a Redução da Maioridade acabará punindo o jovem pobre.
Em TODOS os países onde se reduziu a Maioridade Penal, os crimes não diminuíram, ou seja, o “bandido” não deixa de roubar por medo de ser pego, independente da idade. Ele sempre se acha esperto e acredita que não será pego nunca, principalmente os mais jovens, que acreditam que são imortais e especiais. E para terminar, no Brasil, segundo pesquisa do IBGE e confrontado com outras fontes de Pesquisa, os crimes violentos envolvendo menores não passa de 2% no Brasil. Ou seja, estamos discutindo algo que colocará o menor na cadeia comum por ter furtado uma carteira. Acreditar em jornalista policial é cair na conversa de quem quer simplificar a violência. Antes de defender a ideia dos outros, pesquise, leia e veja que a sociedade é mais complexa que a opinião de quem quer curar o câncer com remédio para dor de cabeça.
Ivan Dourado
   
No Brasil, o menor de idade já fica preso em instituições para menores e com 18 anos ele recebe uma nova chance de viver sua vida em liberdade. (Publicado originalmente na coluna Opinião do Jornal O Ponto da Notícia - 25 de Abril de 2015)