segunda-feira, 27 de abril de 2015

Manifestação Conservadora - Panelaços, dominicais e egoístas




  1. A Tese apresentada neste post é de que os "manifestantes dominicais conservadores" (Março e Abril de 2015) e os "panelaços" nos bairros nobres não necessitam de consciência política e social,
muito menos grandes propostas moralizadoras e de reformas profundas no campo político- eles querem apenas reviver o passado e retomar seus benefícios pedidos. Será?

Atualmente acompanhamos no Brasil o retorno de uma classe social específica às ruas, trazendo um conservadorismo em forma de protestos e palavras de ordem. O exemplo histórico mais recente ocorreu as vésperas do Golpe Militar de 1964, Quando ALGUNS DIAS ANTES da tomada do poder pelas forças militares, acompanhamos um conjunto de pessoas que saíram as ruas defendendo: terra, pátria e família - "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" . 
Os estudos sobre aquele período hoje apontam que esses protestos forma formados por representantes da elite econômica e política, espessa na figura dos familiares de militares e ordens religiosas mais conservadoras. Além das famílias tradicionais mais abastadas que viam na figura política de Jango e suas propostas de Reforma Agrária como um afronta a propriedade privada e benefícios de poder até então consolidados. A bandeira da passeata desta época era "Fora Comunismo"; "Governo Cristão", etc.

Durante quase cinqüenta anos, os conservadores ficaram "adormecidos" (claro que em outros protestos como o fora Collor e os que ocorreram em junho e julho de 2013, acompanhamos atitudes e bandeiras conservadoras em meio aos jovens mais idealistas. Mas os protestos de 2013 foram pautados hegemonicamente por reformas e mudanças mais amplas, principalmente na mobilidade urbana e fim da máfia das passagens dos ônibus). Mas mesmo nestas manifestações, os conservadores foram identificados, conforme imagem ao lado. 



Porém, as duas últimas manifestações dominicais que aqui pretendo chamar de "Manifestações Conservadoras" apresentam uma possibilidade analítica única. Essas manifestações carregam em sua essência características muito comuns no pensamento conservador, escolho neste
primeiro momento listar aqui algumas dessas características, para posteriormente discorrer sobre alguns fundamentos que apontam para uma clara busca por visibilidade e em grande medida se limita ao desejo de retorno de benefícios perdidos com o atual governo petista.
Características gerais do conservadorismo presente nas passeatas dominicais:
- Pensamento imediatista: (defendem algo imediato, como solução profunda na mudança do país, tal como "fora Dilma", "Fora PT", "impeachment" ou "fora Comunistas". Sabemos que soluções como essas são anti-democráticas e que acreditam que os problemas históricos do Brasil são causados por um inimigo concreto, neste caso, os problemas estariam concentrados na figura do Lula, Dilma e dos Petistas, identificados todos como "Do PT").

- Pensamento saudosista: o legítimo: "no meu tempo era melhor", que tende a criticar o presente por critérios de um passado romantizado e irreal. 

Pensar assim acaba por viver um presente com um eterno sentimento de saudade de um passado que mora em uma vaga lembrança fracionada da história, o que leva as pessoas a defenderam ideais e propostas hoje consideradas espúrias ou mesmo criminosas (exemplo latente são os pedidos da "volta dos militares ao poder", uma espécie de crença que os militares carregariam uma ética a-partidária, não corrupta e moralmente perfeita (Dá para acreditar nesta ingenuidade?). Alguns ainda pedem que os militares tomem o poder temporariamente ajudando a conduzir uma transição (porém, a ultima vez que isso ocorreu, essa transição durou mais de vinte anos e até hoje temos consequências nefastas desse período).

- Pensamento baseado no ódio:
A clara expressão de uma raiva à uma cor, símbolo, bandeira ou mesmo pessoas, está muito presente no conservadorismo das manifestações dominicais. A tentativa de terminar, excluir ou ofender aos gritos qualquer pensamento ou comportamento que seja diferente do que o conservador pensa, resulta em gritos dotados de inúmeros questionamentos filosóficos e psiquiátricos, tal como: "seu petista fdp", "sai daqui Comunista", "vai para Cuba", "tu deve ser rico para votar no PT", "o PT te paga algo para votar neles", etc. (Não faltaram vídeos de multidões gritando para senhoras, homens e mulheres, sem falar nos gritos histéricos de ódio para qualquer bandeira que não fosse do Brasil.  

Tendo a parar por aqui na listagem destas características. As já listadas nos permitem concretamente chamar essas caminhadas dominicais de "manifestações Conservadoras". Porém o que tenho obrigação de registrar aqui que o estopim dessas manifestações é o acúmulo de casos de corrupção, onde estão sendo investigados a maioria dos partidos políticos e grandes empresas privadas, onde se destacam as empreiteiras, bancos e emissoras de televisão. Mas em quase todos os escândalos de corrupção dos últimos anos, existiu um número considerável de envolvidos ou acusados, pertencentes aos núcleos centrais de articulação dos escândalos são membros do PT (Mas, por outro lado, a maioria dos partidos também se fizeram presentes, com um número expressivo de envolvidos, mas para estes outros partidos, a cobertura da imprensa foi desigual). A soma destes elementos, de alguma forma, colocou o PT na vitrine da insatisfação dos movimentos conservadores dominicais.
Claro não podemos chamar todas as pessoas que fizeram parte destes movimentos de conservadores. As razões que levam as pessoas para as ruas são mais amplas e complexas: sentimento de inconformidade com os casos de corrupção, identificação de crises políticas e de representatividade ou mesmo uma vontade de registrar sua inconformidade com a administração pública atual. Sem esquecer uma quantidade significativa de pessoas que vão para rua pois pessoas próximas foram e lhe convidaram para ir também, ou mesmo pq está na moda e é legal ter um registro em foto para poder dizer: "eu fiz história" nas redes sociais.  
Essas múltiplas razões tornam a análise das manifestações algo mais complexo que a identidade conservadora anteriormente relatada. Porém, é inegável que as características majoritárias destas duas manifestações dominicais nos permitem construir essa notória característica conservadora dessas passeatas de Março-Abril 2015.
O que nos deixa perplexos é que nos últimos cinqüenta anos, não víamos representadas  setores e classes  sociais nas ruas em forma de manifestação pública. Essas classes estavam até então fechadas em seus lares e espaços privados e por algum motivo saíram de suas zonas de conforto. O motivo ou motivos até então não apresentados, que são narrados apenas como "fora Dilma" ou movimento "contra a corrupção", merecem uma explicação mais profunda e detalhada. 
Ou seja, porque esses movimentos não tiveram adesão de todos os setores e classes sociais? Porque uma classe sociais específica escolhe a estratégia dos protestos públicos para demonstrar publicamente suas insatisfações? Pois bem, esses movimentos públicos de insatisfação das classes médias altas constitui uma prática pouco comum no Brasil, já que sabemos que sociologicamente as classes médias e altas, possuem meios jurídicos, econômicos, indicações e contatos em suas redes de amizade, que fazem com que suas estratégias do mobilização sejam mais privadas e internas. 
Para estes mais abastados economicamente e com uma rede de amigos mais influente, bastaria uma ligação, por exemplo, para um Juiz Federal, um Senador amigo da família, ou um empresário influente, para ter poder político e ter seus interesses individuais atendidos. Ou mesmo possuir meios e conhecimentos legais para acionar bons advogados e terceirizar suas vontades por meio de recursos econômicos. 
Porém, por motivos até então difusos e complexos, essa classe média alta, hegemonicamente branca, com curso superior e votante do candidato Aécio Neves (segundo dados de pesquisas realizadas em muitas capitais - ver links:http://www.lage.ib.usp.br/manif/ 
Por alguns motivos estas classes sociais resolvem sair dos seus espaços privados e tomar as ruas no que chamei anteriormente de "meios de protesto politicamente corretos". 
Mas afinal, o que retirou do espaço privado e os fez tomar as ruas nos domingos? O que os retirou de suas formas políticas de mobilização e os fizessem adotar formas públicas de demonstração de insatisfação?

Adotarei aqui uma estratégia analítica pautada nos interesses de representação de setores sociais por meio do dinheiro público estatal. Ou seja, partirei da seguinte tese: de que as políticas públicas e os programas sociais do Partido dos Trabalhadores fez uma opção pela inclusão dos mais pobres mexendo com os privilégios até então claramente consolidados pela classe média alta que os considerava como direitos adquiridos.
Se pensarmos que historicamente existiram benefícios acessíveis apenas pela classe média alta, tais como: acesso ao crédito imobiliário (o de só poderia sonhar com imóvel próprio que tivesse como comprovar renda e imóveis no seu nome), ingresso na Universidade Pública e privada (onde a primeira era acessada em sua esmagadora maioria por alunos que tiveram educação privada ou tiveram a possibilidade de não trabalhar, podendo estudar em tempo integral. 
E nas universidades privadas, onde a classe média alta encontrava acesso prioritário nos cursos mais caros, onde um cidadão com emprego médio não poderia pagar e acabava assim optando por cursos com valor menor.
- Acesso ao turismo em países longínquos (bastando parcelar no cartão de crédito, da passagem ao câmbio) e apenas estes se identificavam nas viagens e era uma atitude exclusiva.
- Vagas socialmente e economicamente restritas em cursos até então publicamente chamados de Curso Elitistas (Medicina, Direito, Administração). Já que o ingresso e a permanência eram impossíveis para quem trabalha no contra-turno ou precisa trabalhar para pagar, pelos horários integrais das federais e o preços dos livros e mensalidades das particulares.
Se pensarmos apenas com esses benefícios anteriormente listados, que eram hegemonicamente restritos as classe médias altas brasileira, apontava para um campo de benefícios consolidados e nem um deles poderia ser chamado de DEMOCRÁTICO. 
Porém, essa realidade foi modificada. Com a entrada do Partido dos Trabalhadores no primeiro mandato do então presidente Lula, tivemos uma razoável modificação na destinação de benefícios sociais.
O programa Minha Casa, Minha Vida abriu um campo amplo de acesso a compra do imóvel próprio aos mais pobres, facilitando o pagamento e reduzindo as taxas de juros na aquisição da casa própria. Esse processo acabou por abrir um caminho de facilidades também para a classe média baixa e média média, que acabou por abrir um flanco de atendimento a uma demanda reprimida de aquisição de imóveis, o que elevou os preços dos imóveis, inflacionando-os (o que além de retirar da classe média alta a possibilidade exclusiva de imóvel próprio, aumentou o valor dos mesmos tornando mais custoso a compra de imóveis para seus filhos e para investimentos especulativos).
Os programas como ENEM, pro-uni, SISU , Cotas sociais e raciais, sem falar na Ampliação assustadora no acesso ao FIES, que fez com que o ingresso de estudantes de baixa renda, negros e moradores de regiões mais afastadas, contribuiu para um acesso até então impensável de alunos pobres ou de minorias de poder no espaço acadêmico. Esse processo acabou por retirar da classe média alta a exclusividade de ingresso, a reserva meritocrática de cursos elitizados, inserindo em todos os cursos alunos pobres, mulheres, negros e outras tantas minorias até então invisíveis nos dados estatísticos. Sem falar que com as cotas, as vagas que eram dominadas por uma classe e uma etnia específica foi modificada por critérios democráticos e inclusivos baseados na diversidade e justiça social, o que acabou por retirar vantagens que eram entendidas como direitos pelos pertencentes desta classe social específica.
Sem falar nas medidas de popularização no preço das passagens aéreas e nos programas Ciências Sem Fronteiras ou no aumento de bolsas de mestrado e Doutorado sanduíche, que acabou por retirar a exclusividade do turismo e de saída do Brasil das classes médias altas.
Assim, podemos começar a compreender que a critica das classes médias altas se tornam públicas e se manifestam em forma de "manifestações conservadoras" dominicais, já que seus benefícios entendidos como direitos existentes foram e são ameaçados, não sendo mais suficiente suas estratégias privadas de mobilização, já que eles perceberam que após 12 anos de programas sociais que se acumulam no Governo do PT, estão com cada vez menos espaço e perderam grande parte dos seus privilégios e principalmente estão identificando o mesmo acontecendo com seus filhos.
Se no passado, receber bolsa de iniciação científica era um direito, hoje o recebimento de bolsa-família é esmola. Se antes receber acesso ao crédito para a compra de imóvel era direito, agora fazer parte do Minha Casa Minha Vida significa compra de votos. 
Se antes, ganhar bolsa de estudos ou financiamento estudantil era um direito, agora ter direito a reserva de vagas para os estudantes de escola pública ou negros é injustiça e vai reduzir a qualidade do ensino.
Vejam que grande parte destas medidas são simplesmente critérios distintos de destinação dos benefícios com dinheiro público. Porém, a classe média alta percebeu que com o PT no poder, eles perderam gradativamente sua força e vez e que a melhor forma de ganharem eco em seus discursos é simplesmente mudar a forma de conceber e adjetivar os benefícios sociais. 
Se até então benefícios  são direcionados para a sua própria classe (Classe Média Alta), estes são vistos como direitos e se tornam conquistas inquestionáveis. Mas já quando o público a ser beneficiado muda, ou seja, os benefícios são para os mais pobres, esses benefícios sociais são agora chamados de "esmola" e "compra de votos". Interessante, né?
Mas nessa estratégia crítica dos atuais descontentes, nunca entram os benefícios fiscais que as grandes empresas recebem, os programas de acesso a empréstimos volumosos aos grandes agricultores, nem as grandes fortunas que não são tributadas, nem a baixa tributação de imóveis e nem mesmo as formas de isenção fiscal dos mais ricos (estes não são jamais acionados nos debates da atual classe média alta, já que enfraqueceriam os argumentos da "bolsa esmola". 
Neste cenário, só resta a classe média alta ir para a rua e gritar seu discurso de ódio, simplificador e de eterna crise, onde a corrupção é seu principal grito de legitimidade.
O PT fez uma opção política de inserir os mais pobres e excluídos, mas sem tocar nos mais ricos e poderosos, escolheu mexer com os benefícios consolidados da classe média alta, um "segundo escalão" social, focando grande parte da atenção política-social nos mais pobres, destinando uma boa parte dos recursos públicos para projetos insuficientes, mas importantes a médio prazo, em tornar o acesso a direitos básicos mais igualitários. 
Assim, identificamos no Brasil um "movimento conservador dominical" que tem muitos motivos para  se posicionar como conservador, já que para a Classe Média Alta o PT realmente não representa seus interesses. E por isso preferem qualquer partido (ou até golpe militar) que aponte para um passado-futuro melhor, com retorno de seus benefícios. Eles demoraram 12 anos para perceber que para que seus anseios ocorram, não precisam de propostas profundas como Reforma Política e Tributária ou mesmo educacional, bastaria que QUALQUER outro partido assuma o poder, afinal, segundo afirmam: a corrupção é um problema trazido pelo PT. Sem ele, o Brasil estará melhor. Mas a pergunta é a seguinte: melhor para que? Para quem? Os discursos e pérolas nas entrevistas gravadas com os "revoltados On-line" advindas das manifestações conservadoras e dominicais em nada podem nos surpreender, já que não como vimos, não é necessário grandes estudos e debates para chegar a seguinte conclusão da Classe Média Alta: "PT é ruim para nos, qualquer coisa é melhor que PT, então: fora PT", gritam eles, cada vez mais sozinhos...
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